recibo
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Recebo a recibo. Preciso girá-la antes de abrir e avaliar seus valores. Os espaços vazados que envolvem seus conteúdos me oferecem uma nova imagem todas as vezes que avanço em sua leitura, leitura manual, manual sem orientações, manual para perder os sentidos. Os espaços vazados se repetem em todas as páginas, eles são a pauta editorial, a política sensorial, a possibilidade de multiplicação de imagens, já que cada página da recibo pode se desdobrar em
uma nova todas as vezes que é posta sobre outra, nos deixando entrever no vazio retangular a próxima textura, a próxima cor, a linha que vem.

Recibo é revista inacabada, cujo ‘movimento’ é condição primordial de leitura, mas isso não é novidade. Já deve fazer mais de uma década que as revistas, as quais podemos denominar como tradicionais (essas de grandes tiragens, que no Brasil se organizam quase unicamente sob o comando de uma única editora), investem nas plataformas interativas, nos aplicativos que levam a leitura para ponta dos dedos, abrindo canais de diálogo e promovendo uma (pseudo) personalização do conteúdo, tudo isso na esteira da tão aclamada ideia de convergência de mídias. Mesmo as páginas impressas já haviam incorporado tudo que colhe por ai, na rede. Contudo, as interpelações das revistas em relação aos leitores e, principalmente, as possibilidades de respostas destes são as mesmas, sempre. E será que não é demasiado forçoso abordar a recibo a partir de uma observação da revista enquanto mídia de massa? O caso é que a recibo tão pouco me parece uma obra de arte, estou certa apenas que ela é suporte, e de que é revista... Será?

A investida em relação a ideia de ‘obra’ fechada e acabada também não é recente. Quando vejo os números anteriores da recibo, sua predileção pela linguagem escrita das palavras, pelas palavras como potencias de imagem e de sonoridade, sua vinculação ao concretismo já era bastante clara na composição de suas páginas. Recibo Caixa Box investe agora no formato, não apenas um passo adiante na abertura do que entendemos como revista e como obra, ela é mesmo uma derrapada, um escorregão, T R a p L E < ! Recibo caiu no vazio do vazado, esparramou e se abriu as múltiplas possibilidades de leitura, assumindo seu leitor como compositor, como criador de novas imagens sem medo de perder a capacidade de direcionar o entendimento ou a leitura ou garantir qualquer sentido que seja. Revista enquanto suporte, como abertura, como processo.

Mais que queda ou ascensão, trata-se de uma fuga, recibo escapa quadro para parar na parede descascada, pendurada por pregos enferrujados. Recibo escapa adesivo para ver a cidade passar e para que a cidade a veja revista colada em algum para-brisa. Mas ai já não vai ser mais revista, e que diferença faz? A arte impressa da recibo caixa box parece mais preocupada em andar por caminhos desconhecidos, e se as vezes se deixa entrever apenas quando colocada contra a luz, é porque logo em seguida ela pode te oferecer a imagem do teu próprio rosto, como lago prateado e narcizico, que não vai te poupar dos espaços vazados da tua própria imagem, vazios apenas a primeira vista. O vazio na recibo é o vislumbre do novo, é a imagem que vem, e que se anuncia desde já para transformar a imagem presente. Afogue-se.

Cíntia Guedes

08.08.2013

* Artigo publicado na catálogo do Programa Conexões Artes VIsuais, 3ª edição, 2013, Funarte, MINC, Petrobrás
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